sábado, 6 de novembro de 2010

(Des)Probabilidades


Aquela noite reverbera dentro de mim. Foi a ultima vez que eu a vi, mas de certa forma foi a ultima vez que me vi também. Ah, simplesmente não sei explicar. Eram tempos difíceis, andava sem dinheiro, e ela sem muita paciência. Estranho que quando ela estava aqui costumava sentar sobre minha cama, com as mãos no cabelo, com aquele ar de intocável. Aquilo era só a casca dura. As mãos desenhavam ondas pelos cabelos negros, o pescoço apontava para um lugar o qual não gostaria de estar. Eu ficava ali parado olhando ela se perder enquanto eu já perdido afogado na visão dos seus cabelos.
Aquilo tomava conta de mim, era como se me enchesse de desespero por saber que aquilo esgotaria cedo ou tarde. Sabia que nunca ia ser para sempre, e sabia também que o dia acaba, e que temos que dormir. Eu sabia! Mas estava cagando para tudo isso. Eu ficava ali, vendo meus sonhos de infância inflarem-se e estourarem na minha frente como balões cheios de água. E aquela água toda ia direto à minha cara.
Essa noite estava na cama, tentei mexer nos meus cabelos. Não era a mesma coisa. Mesmo quando tinha colocado um espelho na minha frente para que de repente emulasse a sua presença aqui. Ah, como sou estranho. Minhas mãos imitavam o ritmo, minha mente fazia o resto. Mas o mais importante, não estava lá: Sua presença.
O tempo corre bem quando estamos nos sentido mal. Algo inexplicável já que deveria ser o contrário. Ela é uma presença fictícia porem mais real do que eu mesmo aqui segurando as pontas dos meus cabelos que nem sequer lembram os dela.
Alias nada em mim a lembra. Nem o espelho, os gestos. Absolutamente nada.
À noite fico olhando pela janela buscando respostas, mas nem sequer existem perguntas. Acendo alguns cigarros, provo de vinhos baratos. Mas como já disse e você bem sabe. Nada é igual. Não passa de realidades alteradas para que satisfaçam alguma lacuna que nunca será preenchida, a não ser pelo que é real. E o real... é distante demais daqui.
Volto para uma noite antes. Estávamos sentados sobre a mesma cama. Ela olhava a janela, eu a olhava. A via como um ser mais importante que eu aquele dia.
-E então, você vai me deixar – Ela disse.
-Não.
-Vai sim. Está na sua cara! – Sorriu.
Acendeu um cigarro enquanto me via com cara de cordeiro atingido por uma flecha. Ria como uma louca. Ao mesmo tempo em que tinha certeza do escárnio, sabia que era um desespero além do normal. Era pânico. Medo de que nada mais desse certo. Ela chorava e eu tentava sentir algo. Apertei minhas sobrancelhas, fiz de tudo, mas não consegui chorar por fora. Dentro de mim havia um pânico maior. De que adianta externar lágrimas se por dentro eu me afogava em tristeza. Ela sorria e chorava.
Meu cigarro escorria pelas pontas dos meus dedos, meus olhos já haviam secado enquanto ela vestia-se com suas roupas velhas e seu medo.
Ela saiu. Voltou no outro dia. E eu que nunca mais voltei. Sinto-me perdido desde o momento em que a encontrei e não consegui voltar onde eu estava.
E na janela passo meus dias.
Tento reencontrá-la e a mim mesmo.

Rafael Luerce

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